quinta, 23 março 2023

Danos causados por produtos defeituosos. A sua regulamentação em direito espanhol e europeu. Jurisprudência sobre o assunto.

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O regime de responsabilidade por produtos em Espanha e na União Europeia

A regulamentação dos danos causados por produtos defeituosos, como parte da legislação de protecção do consumidor, tem ocupado o legislador, tanto nacional como europeu, há já algum tempo. O primeiro marco neste domínio data de 25 de Julho de 1985, quando foi promulgada a Directiva do Conselho 85/374/CEE, que estabeleceu os pontos essenciais do que viria mais tarde a ser a legislação sobre produtos defeituosos em toda a União, introduzindo um critério de responsabilidade pessoal que ainda hoje se encontra em vigor. Em Espanha, e como resultado da transposição desta Directiva, foi aprovada a Lei 22/1994 de 6 de Julho de 1994 sobre responsabilidade civil por danos causados por produtos defeituosos, que é um dos regulamentos que foi consolidado na actual e conhecida Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Utilizadores (LGDCU), aprovada pelo Real Decreto Legislativo 1/2007 de 16 de Novembro de 2007. Este regulamento, tendo logicamente em conta a interpretação e aplicação feita pelo Supremo Tribunal espanhol e pelo TJUE relativamente às disposições do direito europeu, é o que actualmente rege esta questão, ao qual é dedicado o Capítulo I do Título II (arts. 135 e seguintes). Ao estudar este regulamento, podemos colocar e responder às seguintes questões:

- Qual é o princípio geral que rege os danos causados por produtos defeituosos? A lei estabelece claramente que os produtores são responsáveis por danos causados por defeitos nos produtos que fabricam ou importam. Esta formulação, utilizada pelo art. 135 da LGDCU, obriga-nos a fazer duas reflexões.

Em primeiro lugar, que a lei estabelece um regime de responsabilidade objectiva ou quase-objectiva, ou seja, independentemente da conduta do produtor, uma vez que a regra é simplesmente que este deve compensar os danos causados pelo produto defeituoso. Nem a legislação nacional nem a europeia fazem qualquer menção à culpa ou negligência do produtor.

Em segundo lugar, esta responsabilidade do produtor aplica-se aos produtos que fabrica ou importa, o que nos leva a questionar se, no caso da importação ou distribuição, existe alguma responsabilidade por parte do produtor ou fabricante original, uma questão à qual tentaremos responder neste artigo.

- O que é um produto defeituoso? A lei define um produto como qualquer bem móvel, assim como o gás e a electricidade. Por sua vez, considera um produto defeituoso se:

1. não oferece a segurança que se poderia legitimamente esperar, tendo em conta em particular a sua apresentação, a sua utilização previsível e o momento em que foi colocado em circulação; 2. não oferece a segurança que se poderia legitimamente esperar.

2. não oferece a segurança que normalmente é oferecida por outros da mesma série. No entanto, um produto não pode ser considerado defeituoso simplesmente porque uma versão mais sofisticada do produto é subsequentemente posta em circulação.

- O que é um produtor? O produto é um conceito amplo que abrange o fabricante do produto, o importador no território da União Europeia e qualquer pessoa que se apresente como tal, indicando no próprio bem a sua marca comercial ou sinal distintivo (o que a jurisprudência chamou de "produtor aparente").

- Quem é responsável pelos danos causados por um produto defeituoso? Como já dissemos, a regra geral é que o produtor é responsável pelo dano. Contudo, a LGDCU estabelece uma regra especial no seu art. 138.2:

"Se o produtor não puder ser identificado, o fornecedor do produto será considerado como tal, a menos que, num prazo de três meses, indique à parte danificada ou lesada a identidade do produtor ou da pessoa que lhe forneceu ou lhe forneceu o referido produto". A mesma regra é aplicável no caso de um produto importado, se o produto não indicar o nome do importador, mesmo que seja indicado o nome do fabricante".

Por outras palavras, o fornecedor é responsável por danos quando o produtor não puder ser identificado, a menos que, no prazo de 3 meses, informe o lesado da identidade do produtor ou do fornecedor.

Jurisprudência sobre produtos defeituosos. O STS 448/2020. Considerações do TJUE

O Acórdão do Supremo Tribunal em questão refere-se a um caso em que o queixoso processou uma conhecida empresa multinacional médica e farmacêutica por danos sofridos como resultado de uma prótese defeituosa. A sentença de primeira instância confirmou parcialmente o pedido e condenou a empresa a pagar uma quantia moderada, não como fabricante do produto mas como seu distribuidor, por não ter fornecido à parte lesada a identidade do fabricante dentro do prazo legal de três meses. Em segunda instância, o Tribunal Provincial confirmou a empresa, baseando a sua decisão no facto de o queixoso conhecer a identidade do fabricante e, por conseguinte, ter dirigido erradamente a sua acção contra a empresa de distribuição. A decisão foi objecto de recurso de cassação, o que obriga o Supremo Tribunal a examinar o regime de responsabilidade dos produtores e distribuidores de produtos. A este respeito, a regra geral é clara, e isto é a responsabilidade do produtor nas diferentes normas nacionais dos Estados-membros, dado que a legislação é informada, como acima mencionado, por uma directiva de 1985 que estabelece uma base que deve ser respeitada por todos os legisladores nacionais.

Além disso, o TJUE estabeleceu em repetidas decisões que a responsabilidade do produtor não pode e não deve ser colocada ao mesmo nível que a do distribuidor, embora recorde a assimilação entre o produtor e o importador na União Europeia de um produto fabricado num país terceiro. Esta regra permite ao consumidor reclamar danos causados por defeitos do produto directamente contra o importador, poupando-lhe as dificuldades consideráveis de ter de se dirigir directamente ao fabricante não comunitário (pense nas dificuldades de qualquer consumidor individual em processar um fabricante de um produto na China ou no Bangladesh, por exemplo, ao abrigo da sua lei nacional).

Contudo, o que não é possível, em aplicação das regras e da sua interpretação tanto pelo TJUE como pelo Supremo Tribunal no nosso contexto nacional, é igualizar as responsabilidades do produtor e do distribuidor, permitindo ao lesado processar indistintamente uma ou outra parte, de acordo com a sua conveniência. No caso analisado pela sentença, ficou provado que o queixoso tinha tratado da sua reclamação inicial contra a empresa multinacional, que respondeu por "burófax", no prazo legal de três meses, que a empresa era simplesmente o distribuidor da prótese, identificando expressamente o produtor.

O Supremo Tribunal considera, portanto, que nenhuma das circunstâncias que justificariam legalmente a posição passiva da empresa acusada está presente, apesar das alegações feitas pela parte lesada em cassação. A este respeito, considera que:

- A posição da empresa ré como ré não pode ser justificada pelo facto de ser alegadamente a importadora do produto para a União Europeia, uma vez que esse título nem sequer tinha sido invocado pelo queixoso até então.
- A jurisprudência invocada pelo requerente não se aplica, uma vez que essa jurisprudência se refere a casos em que a identificação do produtor é feita pelo distribuidor na resposta ao pedido, portanto após o termo do prazo legal de três meses, que neste caso foi observado.
- Não é possível fazer valer a responsabilidade da empresa distribuidora mesmo pelo facto de ela e o produtor pertencerem ao mesmo grupo de empresas, dado que se forem empresas separadas e distintas, com personalidade jurídica própria e que não sejam confundidas entre si, o facto de pertencerem ao mesmo grupo ou partilharem parceiros não prova, por si só, a existência de controlo ou influência de uma empresa sobre a outra. Este argumento reforça a lógica da responsabilidade estritamente subsidiária do distribuidor perante o fabricante, que é precisamente a de que o distribuidor não tem qualquer possibilidade real de participar no controlo de qualidade do produto e, portanto, a sua responsabilidade por defeitos deve ser apenas subordinada.

Conclusão

Tanto a legislação espanhola como a da União Europeia estabelecem um sistema de protecção do consumidor para os danos causados por um produto defeituoso. O consumidor deve dirigir a sua acção contra o produtor, entendido como o fabricante do produto ou o seu importador para o território da União Europeia. Quando o produtor é desconhecido, deve contactar o distribuidor, pedindo para ser informado da identidade do produtor. Só quando o distribuidor não cumprir este dever de informação no prazo legal de três meses, é que será possível apresentar a reclamação contra este distribuidor. O Supremo Tribunal salientou que no caso de se provar que o lesado conhecia a identidade do produtor, tendo sido informado dentro do prazo legal, a acção contra o distribuidor deve ser julgada improcedente.

Do Departamento de Direito dos Seguros da Belzuz Abogados, estamos à sua disposição para analisar e defender o seu problema em matéria de responsabilidade civil e seguros da forma mais profissional e eficiente.

 

 Adrian Macias CatalinaAdrián Macias Catalina 

Departamento Direito dos Seguros | Madrid (Espanha)

 

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