A alienação de quinhão hereditário não configura “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, para efeitos de tributação de mais valias

A transmissão de quinhão hereditário levanta questões relevantes no âmbito do Direito Fiscal, nomeadamente quanto à sua qualificação como facto tributário em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), mais concretamente na Categoria G, que respeita às mais-valias.

Uma questão que frequentemente se coloca é a de saber se a alienação de quinhão hereditário, quando a herança é constituída por bens imóveis, deve ou não ser tributada ao abrigo do artigo 10.º n.º 1 alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares.

A resposta, como se demonstrará, é negativa, assim o entenderam os Juízes Conselheiros.

Em suma, tal alienação/venda não configura uma transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, mas antes uma cessão de posição jurídica numa universalidade indeterminada, o que a exclui do campo de incidência objetiva da norma fiscal invocada.

Efetivamente, o quinhão hereditário é, por definição, um direito ideal e abstrato sobre a herança enquanto massa patrimonial indivisa.

Até à realização da partilha, nenhum herdeiro é titular de direitos plenos sobre bens determinados — seja um imóvel, valores mobiliários ou outros ativos.

Neste contexto, a cessão de quinhão hereditário representa a transmissão da posição jurídica do herdeiro na herança, não havendo, nesse ato, qualquer identificação ou apropriação concreta de bens imóveis.

O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que “o direito ao quinhão hereditário é um direito abstratamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta […] não correspondendo à titularidade de qualquer bem específico até à partilha, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Proc. 2752/07.8TBTVD, de 09 de fevereiro de 2012.

Pelo acima exposto, a questão que se coloca é se, em caso de alienação do quinhão hereditário, constituído somente por imóveis, dará ou não lugar ao pagamento de mais valias, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código de Imposto sobre o rendimento de pessoas singulares.

A norma em questão dispõe que são tributáveis, em sede de IRS, os ganhos obtidos com a “Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.

Ora, esta previsão legal refere-se a transmissões de titularidade concreta de direitos reais (como a propriedade, usufruto, uso ou habitação) sobre imóveis determinados.

No caso da venda de quinhão hereditário, o objeto da transmissão não é um direito real sobre bem imóvel determinado, mas sim um direito de crédito expectante e global sobre a herança, ainda por partilhar.

Tal como reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a cessão de posição hereditária não confere ao adquirente a propriedade de quaisquer bens específicos, sendo essa titularidade apenas definida com a partilha, a qual pode ocorrer anos depois da alienação.

Apenas com a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos de propriedade e pode, por isso, exercer os respetivos direitos, até lá, enquanto permanecer a indivisão do património do de cujus, o herdeiro apenas terá direito à sua quota-parte ideal (i.e., ao quinhão hereditário).

Assim, quando ocorre a alienação do quinhão hereditário, o que os herdeiros estão a transmitir é o direito à herança, ou seja, o direito ao quinhão hereditário indiviso.

Nesse sentido já se tinha pronunciado também no passado dia 23 de dezembro de 2022, o Tribunal Arbitral constituído no CAAD, no processo n.º 247/2022-T, que se debruçou sobre a tributação, a título de mais-valias, dos rendimentos resultantes da alienação do quinhão hereditário, quando constituído unicamente por bens imóveis.

O sistema fiscal português é regido, entre outros, pelo princípio da legalidade e da tipicidade tributária, quer isto dizer que o legislador deve descrever, de forma clara e precisa, os factos geradores de imposto, não sendo admissível a analogia ou a extensão interpretativa que resulte em criação de obrigações fiscais não previstas na lei.

Neste quadro, a alienação do quinhão hereditário não está tipificada como facto tributário no âmbito da categoria G do CIRS. Assim, a tentativa de enquadramento da mesma como “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” é incompatível com a letra e o espírito da norma tributária e colide com os princípios da legalidade e da tipicidade.

Tal operação não se encontra prevista na norma de incidência da categoria G do Código Imposto sobre o Rendimento de pessoas Singulares, pelo que não pode ser objeto de tributação em sede de IRS, sob pena de violação do princípio da legalidade fiscal.

A segurança jurídica e a justiça tributária impõem que a Autoridade Tributária respeite os limites da norma legal e a qualificação jurídica própria do instituto sucessório, abstendo-se de tributar situações que não se enquadram no regime legal vigente.

É frequente que a Autoridade Tributária interprete incorretamente estes casos, notificando contribuintes para pagamento de imposto indevido, a título de mais valias, com todos os encargos e transtornos associados.

A Belzuz Advogados, S.L.P. conta com uma equipa especializada em Direito Fiscal, preparada para analisar o seu caso com rigor, representar os seus interesses junto da Autoridade Tributária e evitar pagamentos de imposto indevidos, sempre com foco na prevenção de litígios.

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