Os riscos associados à elaboração de pareceres conflituantes em processo de negligência médica

A produção de prova é essencial num processo de negligência médica, especialmente quando se opta pela via penal (processo-crime). Com efeito, a obtenção de pareceres que concluam no sentido da violação das leges artis são essenciais para que se possa formar a convicção, no decisor do processo, da existência de negligência médica.

Dessa forma, quando múltiplos pareceres no processo-crime, cabe ao juiz do processo valorar o conteúdo dos mesmos, com vista à determinação se existem factos suficientes para condenar os arguidos ou, se tal não for possível, absolvê-los. Logo, a elaboração desses pareceres, seja no âmbito extrajudicial ou na pendência do processo-crime, deve ser acompanhada de todos os elementos factuais que os lesados possam carrear para o processo judicial, de forma a reduzir as possibilidades de discrepâncias ou conclusões distintas entre esses pareceres.

Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Proc. 6281/21.9T9LSB.L1 – 5) muito recentemente publicado é claro ao determinar que “Discutindo-se a prática de um homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º, nº 1, do Código Penal, os dois pareceres médico-legais juntos aos autos (um particular, junto pela assistente, outro com intervenção do Conselho Médico-legal do INMLCF), são os elementos fundamentais para se alicerçar uma convicção acerca da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que os arguidos sejam responsáveis pelos factos que lhes são imputados pela assistente.” E conclui o mesmo aresto que “Se ambos os pareceres confluem no sentido da violação das leges artis, mas divergem porque o primeiro (de natureza particular) conclui pela existência de nexo de causalidade entre a violação das leges artis e a morte da vítima e o segundo (de natureza pública, da autoria de uma entidade com uma composição coletiva e particularmente qualificada), não estabelece esse nexo causal, não se pode concluir que existe uma probabilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena. As conclusões do parecer do Conselho Médico-Legal são de molde a suscitar, no mínimo, uma dúvida fundada sobre a existência de nexo causal, que a lei sempre mandaria resolver a favor dos arguidos”.

Desta forma, no momento da preparação da apresentação de ação judicial de natureza criminal, deve o denunciante obter um parecer extrajudicial que conclua pela existência de responsabilidade dos profissionais de saúde em causa. Este parecer deve, em acréscimo, ser disponibilizado aos peritos que, na pendência do processo judicial, vierem a efetuar novo parecer (designadamente os nomeados no âmbito do INML ou Ordem dos Médicos) para que seja possível reduzir as possibilidades de conclusões conflituantes. É que, no caso em que existam esses pareceres ambíguos ou com conclusões divergentes, aumentam as hipóteses de o juiz do processo-crime ter de decidir em favor dos arguidos, nomeadamente pela aplicação do princípio in dubio pro reo.

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