Grupos de WhatsApp em contexto laboral?

A crescente digitalização das relações laborais trouxe consigo novos instrumentos de comunicação, dos quais se destaca, pela sua ubiquidade e informalidade, a utilização de grupos de WhatsApp.

Esta plataforma, que conta com milhões de utilizadores, é também encarada pelos empregadores como um instrumento de trabalho, uma vez que permite em tempo real e de forma contínua, comunicar com o trabalhador – ou um determinado número de trabalhadores – fundada na convicção de que estes consultam, de forma regular, as mensagens/notificações que recebam nesta aplicação. É também um reflexo de modernidade na gestão empresarial uma vez que revela a adoção de ferramentas muito interativas e com grande sucesso.

Esta prática, aparentemente inofensiva, envolve, contudo, o tratamento de dados pessoais dos trabalhadores, com implicações diretas ao abrigo do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e do Código do Trabalho português.

Por um lado, sempre que a inclusão de um trabalhador em tais grupos é feita com recurso a números de telemóvel pessoais, estão em causa dados identificáveis (não apenas esse número, mas eventualmente imagens ou a fotografia do trabalhador e/ou de terceiros que o trabalhador tenha no seu perfil pessoal da aplicação, todos abrangidos pelo conceito de dado pessoal) que apenas podem ser tratados mediante a verificação de um fundamento de licitude, nos termos do artigo 6.º do RGPD.

Além disso, importa igualmente ponderar a efetiva necessidade e proporcionalidade de criar um grupo de WhatsApp e quais as finalidades desse mesmo grupo por forma a verificar a possível ou oportuna inclusão de trabalhadores e a divulgação, perante terceiros, de dados pessoais dos trabalhadores.

Deve, ainda, atender-se ao princípio da minimização de dados, previsto no artigo 5.º, n.º 1, alínea c) do RGPD, que impõe à entidade responsável a obrigação de limitar o tratamento ao estritamente necessário para a prossecução da finalidade pretendida. Neste contexto, importa ponderar a utilização de canais ou ferramentas institucionais menos intrusivos, que assegurem uma comunicação eficaz no âmbito laboral sem expor dados pessoais de carácter privado.

De acordo com a nossa experiência, o fundamento de licitude mais frequentemente utilizado nestas situações é o interesse legítimo da organização na fluidez da comunicação interna.

Contudo, há que vincar que esse interesse carece de uma ponderação rigorosa face aos direitos e liberdades dos titulares dos dados, nomeadamente o direito à privacidade, à imagem, ao descanso e à desconexão digital.

Com efeito, deverá analisar-se, de forma criteriosa, se as comunicações que sejam efetuadas através do WhatsApp não podem ou até se devem ser efetuadas de outra forma/outros canais que não comprometam os direitos atrás referidos. A disponibilização, por exemplo, de uma conta de correio eletrónico corporativa ao trabalhador assim como da possibilidade da utilização de outros canais de comunicação devem ser considerados pelo empregador. Com estas alternativas de comunicação, existe naturalmente a certeza de que o trabalhador destinatário as receberá, podendo não suceder com a celeridade e no momento em que o empregador assim o pretende.

Este ponto leva-nos a um outro e que é o dever de abstenção de contacto que impende sobre o empregador, habitualmente referido como o direito à desconexão.

O ordenamento jurídico português, através do artigo 199.º-A do Código do Trabalho, impõe ao empregador um dever claro de abstenção de contacto com o trabalhador durante os seus períodos de descanso, ressalvadas apenas situações de força maior. A norma, incluída no Código do Trabalho em 2021, consagra – ainda que de forma implícita – o direito à desconexão tem um propósito muito claro que é o de relembrar ao empregador (seja diretamente seja por meio de superiores hierárquicos) que nos períodos de descanso do trabalhador este tem o direito e não deve ser contactado, salvo situações excecionais.

Este entendimento foi recentemente clarificado com a emissão de uma nota técnica por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho que expressamente menciona que não devem ser consideradas situações de força maior, para efeitos de inexigibilidade de observância do dever de abstenção de contacto, as situações de urgência, criadas pelo empregador ou superiores hierárquicos, que pudessem ser resolvidas dentro do horário de trabalho do trabalhador.

Menciona ainda que por «contacto» deve entender-se qualquer comunicação ou tentativa de comunicação que interrompa o gozo pleno do direito ao descanso do trabalhador, independentemente do meio pelo qual é efetuada, incluindo telefone, visitas, mensagens de correio eletrónico, notificações de chat, pedidos de reunião, entre outros.

Como facilmente se depreende, as comunicações via WhatsApp estão incluídas no leque de meios abrangidos.

O Código do Trabalho português estabelece ainda que qualquer tratamento menos favorável fundado na recusa do trabalhador em responder a comunicações laborais fora do seu horário de trabalho, designadamente via WhatsApp, pode configurar prática discriminatória, sancionável como contraordenação grave. Incluem-se aqui situações relacionadas com as condições do trabalho ou de progressão na carreira, ou seja, eventuais represálias pela não resposta a tentativas de contacto fora do período normal de trabalho.

Neste quadro normativo, torna-se imprescindível aferir não apenas a necessidade e proporcionalidade dos contatos estabelecidos, mas também a legitimidade da utilização de canais de comunicação que se apoiam em meios pessoais do trabalhador, como o número de telemóvel pessoal, muitas vezes apenas disponibilizado ao empregador para questões pontuais ou situações de urgência.

A articulação entre a proteção de dados e o direito laboral exige, por isso, uma abordagem estruturada:

  1. políticas internas e informações claras – os empregadores utilizando o WhatsApp como meio de contacto devem criar regras sobre a sua utilização, designadamente a finalidade destas comunicações, linguagem a utilizar, conteúdo que é enviado, o sigilo das mensagens (se for o caso) e horário em que se faz contato para evitar constrangimentos, abusos, ou prejudicar o relacionamento interpessoal entre trabalhadores e a imagem da organização;
  2. cláusulas contratuais adequadas – por forma a que não existam dúvidas de que o trabalhador aceita e compreende da potencial inserção dos seus dados pessoais num grupo de WhatsApp criado pelo empregador;
  3. registo e justificação documental da ponderação de interesses;
  4. avaliações de impacto (DPIA) e um envolvimento ativo do Encarregado de Proteção de Dados (DPO), nas situações em que este exista, ou das pessoas afetas aos Recursos Humanos.

Tudo isto deve ser complementado através da formação contínua das equipas de gestão, promovendo uma cultura de conhecimento, conformidade e respeito pelos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Conclui-se, assim, que a criação de grupos de WhatsApp com base em números pessoais de trabalhadores, mesmo que sustentada por razões organizativas válidas, deve ser objeto de uma análise jurídica rigorosa e ponderada. O equilíbrio entre o legítimo interesse do empregador e os direitos fundamentais do trabalhador impõe limites objetivos à comunicação digital em contexto laboral.

O incumprimento dessas balizas pode originar responsabilidades significativas, seja em termos de contraordenações a impor por entidades públicas (desde logo a Autoridade para as Condições do Trabalho e a Comissão Nacional de Proteção de Dados) seja em termos de reputação das organizações empresariais.

Na Belzuz Advogados, S.L.P., contamos com uma equipa multidisciplinar experiente preparada para prestar assessoria jurídica na área da proteção de dados pessoais e de direito laboral.

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