Como proteger a herança face ao cônjuge do herdeiro (genro ou nora)_A importância da cláusula de incomunicabilidade em testamentos e doações

  1. O que é a cláusula de incomunicabilidade?

A cláusula de incomunicabilidade consiste numa disposição inserida em doações ou testamentos através da qual o autor da liberalidade determina que determinados bens não se comuniquem ao cônjuge do beneficiário. Assim, tais bens permanecem exclusivamente afetos ao património próprio do herdeiro ou donatário, independentemente do regime de bens do seu casamento.

Na prática, isto significa que, mesmo que o herdeiro esteja casado sob o regime da comunhão geral ou da comunhão de adquiridos, os bens sujeitos à cláusula não integrarão a massa comum do casal. Esta exclusão revela-se especialmente relevante em caso de divórcio, separação judicial ou morte do cônjuge, protegendo o património familiar de eventuais partilhas.

  1. Um instrumento disponível a qualquer pessoa

A lei permite que qualquer pessoa, ao doar um bem ou ao instituir herdeiros por testamento, imponha a cláusula de incomunicabilidade. Trata-se de uma ferramenta amplamente utilizada para garantir que um bem familiar — muitas vezes com valor sentimental ou patrimonial significativo — permanece no seio da linha sucessória desejada.

O bem abrangido por esta cláusula fica, assim, “blindado” relativamente à comunhão conjugal, salvaguardando-se de litígios patrimoniais decorrentes da vida matrimonial do herdeiro.

  1. Limitações: necessidade de especificação dos bens

Importa, contudo, sublinhar que a cláusula de incomunicabilidade não pode ser formulada de forma genérica ou abstrata. A lei exige que recaia sobre bens determinados. Por essa razão, a cláusula é tipicamente aplicável a legados, e não à instituição de herdeiro em quota-parte abstrata, já que esta não individualiza bens concretos.

A determinação específica do bem é essencial para que a cláusula produza efeitos e para que possa ser fiscalizada.

  1. Relação com as regras imperativas sobre comunicação de bens

O regime jurídico português contém normas imperativas relativas à incomunicabilidade de determinados bens, conforme resulta do artigo 1733.º do Código Civil. Estes bens — como, por exemplo, os adquiridos por sucessão — são próprios, não podendo ser incluídos na comunhão conjugal.

Esta imperatividade tem uma consequência importante: o legislador proíbe que as partes, por convenção antenupcial, estabeleçam a comunicabilidade de bens que a lei declara impreterivelmente próprios. É o que dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 1699.º do Código Civil.

Esta rigidez normativa reforça a lógica de sistema: se determinados bens são, por força de lei, incomunicáveis mesmo no regime mais abrangente — a comunhão geral —, então, por maioria de razão, não podem vir a ser considerados comuns em regimes mais restritivos, como o da comunhão de adquiridos.

  1. Finalidade prática e utilidade da cláusula

A cláusula de incomunicabilidade constitui, assim, um instrumento de proteção patrimonial de grande utilidade, permitindo aos doadores e testadores assegurar:

  • a preservação do património familiar na linha hereditária pretendida;
  • a proteção dos bens em caso de conflitos conjugais ou dissolução do casamento do herdeiro;
  • a limitação de eventuais interferências patrimoniais vindas de cônjuges com filhos de outras relações;
  • a segurança jurídica na gestão e transmissão dos bens.

Mais do que um mecanismo de desconfiança relativamente ao cônjuge do herdeiro, a cláusula representa uma ferramenta legítima de organização patrimonial, amplamente reconhecida pela lei e pela jurisprudência.

  1. A instituição de um fideicomisso como mecanismo adicional à proteção desse mesmo património

Para além da cláusula de incomunicabilidade, o ordenamento jurídico português oferece um mecanismo adicional particularmente eficaz para assegurar que um determinado bem não venha a integrar a herança do cônjuge do herdeiro, mesmo no caso de falecimento deste: a substituição fideicomissária ordinária, prevista nos artigos 2286.º a 2295.º do Código Civil.

O Código Civil permite a substituição fideicomissária ordinária (artigo 2286º e ss do C. Civil) desde que: (i) se limite a um grau (Portugal proíbe fideicomissos perpétuos ou com vários graus, para evitar que bens fiquem “amarrados” durante gerações); (ii) se destine a conservar os bens dentro da família.

A utilidade prática deste mecanismo revela-se evidente nos casos em que os ascendentes pretendem salvaguardar um bem — imóvel ou móvel — de riscos provenientes da vida conjugal do herdeiro, assegurando que tal bem permanece dentro da linha familiar directa, independentemente da morte, divórcio ou eventuais litígios envolvendo o cônjuge do beneficiário.

O fideicomisso opera através da nomeação de:

  • um fiduciário: o primeiro beneficiário (por exemplo, a filha), que recebe o bem, mas com restrições na sua disposição;
  • um fideicomissário: o beneficiário final designado pelo autor da liberalidade (por exemplo, os netos), para o qual o bem deve transitar após a morte do fiduciário.

A transmissão do bem para o fideicomissário ocorre automaticamente, por força da vontade do instituidor e fora da herança do fiduciário.

Quando correctamente instituído, o fideicomisso produz os seguintes efeitos:

  1. O bem não integra a herança do fiduciário.
    Assim, no caso do falecimento da filha, o bem não entra na massa sucessória dela, impedindo que o cônjuge sobrevivo venha a recebê-lo por via sucessória legítima ou testamentária.
  2. O cônjuge do fiduciário não tem qualquer direito concorrencial sobre o bem.
    O direito do fideicomissário prevalece sobre a posição do viúvo ou viúva, que não pode reclamar legítima ou meação sobre esse bem específico.
  3. O fiduciário não pode alterar o destino final do bem.
    Salvo autorização expressa do instituidor, o fiduciário não pode alienar, onerar ou transmitir o bem de modo que frustre a eficácia da substituição fideicomissária.
    Este efeito pode ser reforçado com a imposição de cláusula de inalienabilidade (artigo 953.º C. Civil), desde que exista justo motivo — o que normalmente se verifica na proteção de património familiar.

Considere-se o caso de um avô que, no seu testamento, determina o seguinte:

  • deixa um imóvel à filha (fiduciária);
  • estabelece que, por morte desta, o imóvel passa automaticamente para os netos (fideicomissários).

Neste contexto:

  • a filha beneficia do bem enquanto viva, mas não o pode dispor livremente se houver cláusula de inalienabilidade;
  • o bem não entra na herança da filha, evitando que o genro receba qualquer parte dele;
  • por morte da filha, o imóvel transmite-se directamente aos netos, segundo a vontade expressa do avô;
  • o genro não tem forma de contrariar esta transmissão, nem através da legítima, nem por via de comunhão conjugal.

O recurso à substituição fideicomissária, limitada a um grau e orientada para a preservação do património familiar, constitui uma ferramenta legal sólida e eficaz para garantir que determinados bens não sejam herdados pelo genro ou pela nora, assegurando que estes se mantêm dentro da família consanguínea, conforme a vontade do instituidor.

Dada a complexidade destas questões e as eventuais implicações legais, é essencial contar com o apoio de profissionais experientes na área do Direito da Família, como a Belzuz Abogados S.L.P. – Sucursal em Portugal.

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